A memória de cada um… de nós

E, agora, é chegado o segundo (horário) de cada um de nós, reconhecer a contribuição, voluntária ou involuntária, sobre o estado vegetativo em que, desgraçadamente, se encontra o país. É o minuto de assumir, se havia consciência-nacionalista do que seria a pedra de cada “eu”, no cabouco independência/1975.

Por William Tonet

É a hora de reconhecer se houve competência em se elaborar um verdadeiro “projecto-país”, no virar da página colonial ou, apenas, a implantação de projecto partidocrata de viés neocolonial, sob o nosso silêncio cúmplice?

É, pois, chegado o momento, o tempo, dos autóctones, na sua multirracialidade, mais do que nunca saberem a verdade para a devida penitência individual e colectiva.

Eu assumo a minha cota parte de responsabilidade e não me envergonho do passado, gerado e crescido no fervor revolucionário do MPLA.

Fui criança soldado! Fui criança na prisão colonial de São Nicolau, com o meu pai, preso político, nacionalista. Fui da OPA e da JMPLA. Fui das Comunicações das FAPLA. Capitaneei batalhões de jovens porta-estandartes que ajudaram a desfraldar e hastear a bandeira do novo país: República Popular de Angola, na noite de 11 de Novembro de 1975, no Largo da Independência, em Luanda.

Fui o mais jovem no gabinete do comandante Nito Alves (kotas Santinho e Dedé, ainda estão aí). Estive preso no 27 de Maio de 1977, na minha família fomos quatro; eu, meu pai e dois tios meus, enterrados vivos: Alberto e Fernando Tonet: Paz à sua alma! Jamais os esquecerei.

Não me envergonho do passado. Assumo as responsabilidades pois, na hora certa, determinei a saída, sem me converter em assassino, traidor e corrupto!

Em 1975, repito, tive um misto de alegria e tristeza.

Alegria por nos termos constituído em país, depois de tantos anos como província ultramarina, colónia de Portugal fascista.

Tristeza por ver que o sonho do meu pai, que se embrenhou nos húmus libertários e avenidas da clandestinidade, -arrastando-me como filho mais velho (tinha à época, 3 anos de idade), para, se lhe acontecesse alguma coisa: “Presenciares a minha morte e prosseguires a luta”, dizia orgulhosamente, esvair-se pelo nascimento, como ente-jurídico internacional, ser singular, partidocrata, ao invés de plural, congregador, com a chancela de todos ou, na pior das ideias, com o concurso dos homens e mulheres da clandestinidade do MPLA…

Persegui-o, identificando-me, mais uma vez com as lágrimas, que lhe caiam pelo rosto, dizendo, podíamos ouvir os camaradas da clandestinidade, pois afinal o MPLA não é só dos que andaram nos maquis, até por haver muitos maquis, que a direcção em Brazzaville, nem deles, tinha noção.

A bandeira da República Popular de Angola é a imagem e semelhança da do MPLA, logo não representa o tecido nacional, mas o partidocrata, que não congrega, antes discrimina.

A roda dentada e a catana têm dois significados: primeiro a luta de classes, com o domínio dos meios de produção, pela classe trabalhadora, preconizada por Karl Marx e materializada por Lenine, na ex-URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e, a segunda, como afirmação de um poder autoritário discricionário.

Esta última foi sempre a opção de Agostinho Neto, que tinha o assassinato dos adversários e opositores internos, como objecto do seu poder ditatorial.

Recorde-se o ano de 1968, nas chanas do Leste, a morte numa fogueira, com vida, acusado de feitiçaria e pretender dar um golpe à direcção em Brazzaville, do mítico comandante Paganini, Zigueró, Estrela, entre outros… (Savimbi, como bom aluno de Neto, fez o mesmo na Jamba, 20 anos depois, mas só falamos desta omitindo a primeira, na lógica da desonestidade intelectual e dos excessos do tempo da guerrilha).

Matias Miguéis, ex-vice presidente do MPLA foi enterrado vivo, por Agostinho Neto, com a cabeça de fora, sucumbindo, ao final de dois dias, após indescritível sofrimento e humilhação, cuspido, pontapeado e urinado, na cabeça.

Em 1976, o comandante da clandestinidade, Virgílio Sotto Mayor, numa intriga palaciana, orquestrada por Pedro Pacavira, foi mandado fuzilar, no Campo da Revolução, sem possibilidade de defesa, bem como tantos outros, quando a própria Lei Constitucional partidária, não previa a pena de morte.

Reconheço que a minha base de formação ideológica inicial é a estatuída no Programa mínimo e no Programa máximo do MPLA Original.

Um programa comprometido com os povos de Angola e os autóctones de todas as matizes, elaborado por intelectuais sérios, patriotas comprometidos com a Angola Profunda e os mais sublimes anseios dos seus povos, cujas linhas de força, nunca foram implantadas, por suplantarem os poemas da obra Sagrada Esperança.

Em 1975, confesso, ainda acreditei, ter Agostinho Neto a dimensão de líder, logo, podendo ser um bom estadista, como Presidente da República Popular de Angola, mas rapidamente me desiludi, quando, no 27 de Maio de 1977, orquestrou um falso golpe de Estado, para esmagar a jovem “intellegtsia” do movimento, pelo único crime destes, questionarem, no interior dos órgãos do MPLA, qual seria o rumo do país: esquerda ou direita? Capitalismo encapotado ou socialismo?

Na falha de argumentos para responder ao capital político, académico, científico e profissional, de uma juventude multirracial: pretos (maioria), mulatos e brancos, a opção foi a chacina de 80 mil cidadãos de forma ignóbil e indefesa, através do mandado de genocídio, rubricado por ele mesmo (Agostinho Neto), na cadeira-baloiço, do Futungo de Belas (Palácio Presidencial): “Não vamos perder tempo com julgamentos”!

Com o mandado de extermínio colectivo em massa, os assassinos da DISA (Direcção de Informação e Segurança de Angola – Polícia Política de Neto), não perderam tempo, pelo contrário, ganharam, macabramente, com o maior genocídio, praticado em África, depois dos de Hitler, na Segunda Guerra Mundial.

Naquela época tive noção de não terem sido enterrados os vícios da mata, pois transitaram para o novo país, transformado como sendo de alguns, por Agostinho Neto e pares.

Compreendi, profundamente, a partir daí, que nada mudaria na lógica interna do MPLA, se não houvesse uma profunda reforma programática, capaz de extirpar o mal, com o emergir de um líder comprometido com o pluralismo, a democracia participativa e um verdadeiro projecto-país, com órgãos de soberania, sem as impressões digitais de nenhum partido, mas dos autóctones com consciência-cidadã, para servir Angola. Não me arrependo, pese os riscos!

QUARTO ÓRGÃO DO PODER DE ESTADO

O MPLA transformou o país, numa gigantesca célula partidocrata (o primeiro órgão de soberania, tendo Angola quatro órgãos do Estado), à sua imagem e semelhança, esquecendo-se, inclusive, desde 1975, de reconhecer o apoio e o grande papel dos nacionalistas e patriotas, dos vários movimentos e células clandestinas, que nas sanzalas, bwalas, vilas e cidades, pela força mobilizadora, foram fundamentais para a sua afirmação ante os outros dois movimentos de libertação: FNLA e UNITA.

Sempre foi assim, desde a mata e a chegada de Agostinho Neto à liderança do MPLA (em Brazzaville), foi marcada pela marca da desunião e fracturas, aliás implantou a política de dividir para melhor reinar: Revolta Activa; Rebelião da Giboia, entre outras, são disso um exemplo. Nas disputas com adversários nunca elegeu a transparência e a lisura, veja-se, o comportamento de covardia, quando se apercebeu, de uma estrondosa derrota, no primeiro congresso democrático do MPLA, onde disputava a presidência, com Daniel Chipenda.

Ao aproximar-se a data da votação e as sondagens não lhe ser favoráveis, sem possibilidade e fraude, optou pela fuga (desistência – num plano orquestrado, pelo comandante Nito Alves), deixando caminho livre para o outro candidato.

Na verdade, com a retirada de Agostinho Neto, não seguiram todos os delegados da sua facção, 190, nem, também, com os da Revolta Activa , 90, que lhe seguiram as peugadas.

Ora, tendo a Facção do Leste (não de Júlio Chipenda, como erradamente, se denominou) estar representada pelo líder da Rebelião da Giboia, o mítico comandante, Katwvua Mitwe, que endossou a disputa a favor de Júlio Chipenda, com iguais 190 delegados, a que se juntaram, cerca de 35 delegados de Neto e 40 da Revolta Activa, constituíram o número suficiente de massa votante, para a realização das eleições, que ocorreram, consagrando Daniel Júlio Chipenda como primeiro presidente democraticamente eleito e quarto do MPLA.

Esta é a história real, o resto são estórias, pese eu e Justino Pinto de Andrade (Revolta Activa), da comissão de redacção do conclave, termos opiniões e visões diferentes, sobre o desfecho final…

A falsidade não vencerá, eternamente. Um dia, esta crónica mentira sobre Agostinho Neto surgirá e a verdade triunfará, cunhada, nos livros do MPLA e da história política de Angola.

O saber, o debate livre e democrático, sempre afugentaram os dirigentes do MPLA, por esta razão, vão, em todas as épocas, corrompendo ou eliminando fisicamente a oposição.

Agostinho Neto, pai da institucionalização da corrupção, com a criação das lojas do povo e lojas dos dirigentes (1975), as bichas para o povo comprar tudo, a criação da empresa pública de serviços de táxis, mais caros do mundo, com a de Angola a ser servida com viaturas, Mercedez Benz, amarelos, em 1976 (um contra-senso para um regime que se dizia socialista), era um líder sem ideias estruturadas e coerentes.

A sua política económica e política eram desconexas, assente num crónico complexo e maturado medo na competência.

Agostinho Neto, tinha um instinto confuso, próximo ao do, também, médico francês, Guilhotin (o pai-inventor da guilhotina), do século XVIII (1789), que mandou fabricar esta macabra máquina, para eliminar os adversários, cortando-lhes a cabeça, com o golpe única de uma lâmina de duas toneladas. Em Angola, o médico, líder do MPLA, mandava, desde 1975, fuzilar todos os seus adversários (os poucos sobreviventes tiveram de se exilar), transformando-se, com o genocídio do 27 de Maio de 1977 (já Angola República), num médico, profundamente assassino.

Por esta razão as direcções do MPLA-pós Neto, assentam a sua actuação na lógica da exclusão, discriminação e mentira.

Houvesse, respeito pela história e não teriam a covardia de rejeitar, em 2020, século XXI, discutir, mesmo intramuros, o 27 de Maio, tão pouco o exílio de Viriato da Cruz, na China, e de Mário Pinto de Andrade, na Guiné Bissau. Mas, num absurdo draconiano, para ficar bem, na fotografia, faz, em Abril de 2020, uma homenagem póstuma à viúva de Pinto de Andrade, quando em vida, perseguiu e ostracizou o casal. Épico cinismo!

O mesmo poderá acontecer com o actual presidente emérito, José Eduardo dos Santos, que muito provavelmente, morrerá no exterior, a prosseguir a impiedosa caça política que lhe é movida, quando o mais digno, mesmo tendo sido catalogado como corrupto e marimbondo-mor, pelo actual líder, seria o de encontrar uma forma republicana digna, nos marcos da Constituição e da lei, deste ser levado a barra dos tribunais, em Angola, até pelas funções desempenhadas, num passado recente.

É o comportamento inverso, que me persegue, como sobrevivente do 27 de Maio de 1977 e discriminado do regime, que me despojou de todos os títulos, numa acesa discussão com um dos meus filhos, pelo seguinte: Se Eduardo dos Santos que, transformou Agostinho Neto (1980), em herói nacional e fundador da Nação; que não perseguiu, nem aceitou que fossem julgados, os membros da DISA polícia política de Neto (assassinos do 27 de Maio de 1977); que branqueou os crimes da Comissão de Lágrimas e de Lúcio Lara (autores morais dos crimes do 27 de Maio); que enriqueceu todos os membros do Comité Central e Bureau Político do MPLA, mas no final de 10 meses (2018), depois de sair do poder, prenderam-lhe o filho (justa ou injustamente), o que fariam com Jonas Savimbi, inimigo figadal, se este ficasse, em 1992, na capital do país, apenas com a força do seu nariz?

Ajude-me, caro leitor, de todas as barricadas ideológicas, a encontrar uma resposta, fora da ficção.

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